Por Maria Helena Esteban @mariahelenaesteban. Copyright Fato Editorial.
Conheça a história inspiradora do chef João Diamante que, de origem humilde e carreira de sucesso, hoje inspira jovens, usando a gastronomia como ferramenta de transformação e inserção social.
João Augusto Santos Batista cresceu em uma comunidade carente e foi se deixando transformar pelas oportunidades que encontrou pelo caminho. Frequentou projetos sociais na infância e, através deles, diz ter descoberto uma nova forma de se relacionar com o mundo. Quando prestou serviço militar, viu na cozinha uma profissão e decidiu ingressar na faculdade de Gastronomia, onde foi escolhido para estagiar com Alain Ducasse, na França. Ao voltar, começou a chamar atenção pela dedicação a trabalhos sociais.
Com seu sorriso contagiante e crença em ações que lapidam pessoas, o chef faz justiça ao apelido que ganhou na adolescência: Diamante. Desde 2016, ele está à frente do Diamantes na Cozinha, projeto dedicado a jovens em situação de vulnerabilidade social (saiba mais sobre o projeto neste artigo).
O projeto social
O mesmo espírito democratizante João levou para o Na Minha Casa, restaurante temporário ¬ que promete viajar por outras cidades ¬, inaugurado em janeiro de 2019, onde o cliente pagava se quisesse e o valor que desejasse, a partir de uma sugestão de preço. No início da pandemia de Covid-19, ao perceber que o fechamento de restaurantes acarretaria desperdício de insumos estocados, ele mobilizou a categoria, arrecadando cinco toneladas de alimentos, que foram distribuídos para 600 famílias carentes e, também, utilizados em refeições para população de rua.
Entusiasmado, durante nosso encontro vimos a oportunidade de seguir no apoio a famílias carentes e, no mês de julho, João Diamante vai aceitar, em quatro lojas do supermercado Zona Sul, doação de alimentos não perecíveis.
Aos 29 anos, o chef se diz realizado, mas não para de sonhar, como deixa claro durante a entrevista que se segue e, também, em um papo em vídeo que pode ser visto a seguir:
Você tem uma trajetória rica. Costuma dizer que os inúmeros projetos sociais dos quais participou foram essenciais. Por quê?
Participei de mais de dez projetos sociais na minha infância e isso me permitiu ter oportunidades e conhecer pessoas novas, expandir meus horizontes, entender que existia outras oportunidades além das que eram oferecidas dentro da comunidade. Sem contar que arte, cultura e educação são a base para construir um cidadão e, em todos os projetos sociais, independentemente da ferramenta utilizada para transformação de uma pessoa, o objetivo é sempre o mesmo, desenvolver gente.
No serviço militar, na Marinha, você descobriu a cozinha profissional. Depois se formou na faculdade de Gastronomia e estagiou em Paris, com Alain Ducasse. Em cada momento, nesse percurso, você se via representado, havia pessoas com histórias parecidas? Ou se sentiu como uma exceção?
No alto escalão da gastronomia, é muito difícil ter pessoas e histórias parecidas com a minha; normalmente nos serviços de base, e não passava disso. No início da carreira, onde fazemos serviços básicos, tinha bastante pessoas; ao ir subindo de função, as referências vão sumindo. Quando chega a chef renomado e estrela Michelin, então, não tinha nenhuma referência. Hoje em dia existe a primeira chef preta que tem uma estrela Michelin, Mariya Russell, e estamos em 2020.
Em um país como o nosso, em que pretos e pardos correspondem a 55,8% da população (segundo dados do IBGE, de 2019), como você avalia a participação dessa parcela populacional na gastronomia. Por quê?
Historicamente, pretos na cozinha eram símbolo de servilismo, como nos tempos da escravidão. Muito foi feito durante todos esses anos, estudos que vêm dos quilombos, dos terreiros, de toda uma resistência preta. Observamos diversas formas de apropriação cultural. E hoje, com o glamour que a cozinha ganhou, fomos espremidos para fora dela. Presenciamos a “branquitude” fazendo os nossos pratos: acarajé, feijoada e outros exemplos. Hoje, no curso de Gastronomia da UFRJ, a nota de corte é mais alta do que para Medicina. E, claro, o racismo não aparece em uma ou outra área, ele está enraizado no dia a dia. Temos que mudar isso!
Qual era sua expectativa ao criar o Diamantes na Cozinha? Como tem sido a trajetória do projeto?
O objetivo de criar o Projeto Social Diamantes na Cozinha foi o mesmo de quando participei de inúmeros projetos na minha infância e adolescência: dar acesso e oportunidade, usando a gastronomia como ferramenta de transformação e inserção social. Tendo a gastronomia como um instrumento ideal, porque ela tem todas os princípios para educar e socializar, fala de cultura, educação e arte.
O projeto vai desde plantar, cultivar e colher, passando por técnicas básicas de cozinha ¬ quente, fria, confeitaria, panificação¬, bartender, hospitalidade, empreendedorismo, administração, recursos humanos. São seis meses de curso para pessoas em vulnerabilidade social e, no final, orientamos para o mercado de trabalho ou empreendedor, somando ao nosso objetivo em fazer a pessoa ter novos olhares para as oportunidades da vida.
“O objetivo de criar o Projeto Social Diamantes na Cozinha foi o mesmo de quando participei de inúmeros projetos na minha infância e adolescência: dar acesso e oportunidade, usando a gastronomia como ferramenta de transformação e inserção social”, cita João Diamante.
Foto: Filico
Desde que começou seu projeto social, quais foram as principais surpresas e os momentos mais marcantes? Por quê?
As principais surpresas são os desafios diários que aparecem, para toda equipe, sejam eles na administração, nos relacionamentos pessoais, porque, para a gente, era tudo novo, não tínhamos experiência no mercado, queríamos fazer para ajudar o próximo, mas isso é uma empresa que precisa estar bem com suas obrigações. Então, desde que começamos, aprendemos muito para evoluir o projeto.
Sobre os momentos marcantes, sem dúvida alguma, são as alegrias dos resultados de nossos alunos, parceiros e voluntários. Nossos alunos porque saem transformados, com novas perspectivas de vida e muito motivados. Temos pessoas que trabalham com grandes chefs da atualidade, temos chefs de cozinha, pessoas que trabalham fora do país, empreendedores, alunos que são voluntários do projeto hoje e alunos que usaram o projeto como terapia e relatam que foi fundamental para saírem de um estado depressivo. Nossos professores e voluntários ficam muito felizes em assistir tudo isso, do início ao fim, e ver que o trabalho está dando certo.
O que mudou em seus projetos, durante a pandemia?
Estamos dando aulas em EAD (ensino à distância), para que os alunos não ficassem prejudicados com essa parada. Chamamos novos voluntários de peso, como os chefs Diego Lozano, Manu Bufara, Rodrigo Oliveira e Alex Atala, para ajudar na motivação dos nossos alunos, além da nossa equipe que é muito qualificada. Sobre a pós-pandemia, estamos estudando um modelo mais sustentável, mediante toda experiência que adquirimos nesse momento, mas ainda não tem nada certo e não temos data das próximas turmas.
Em sua opinião, por que a cozinha funciona como um espaço de ascensão social, de transformação?
Porque a gastronomia tem todas as ferramentas sociais incluídas nela, arte, cultura e educação, oferecendo um grande dinamismo e mostrando uma forma didática mais leve e descontraída para transformar uma pessoa, do que os moldes tradicionais que estamos acostumados a ver em escolas.
Quais são seus projetos ou sonhos para o futuro?
Eu sou bem realizado quanto carreira e família, mas gostaria de fortificar o que já foi construído dentro desse período da minha vida, para que os negócios se tornem mais sólidos. E, quem sabe, investir mais na parte de televisão, gostei muito quando fui jurado da sétima temporada do programa Cozinheiros em Ação, do canal GNT.