Por Maria Helena Esteban @mariahelenaesteban. Copyright Fato Editorial.
Conheça a chef Roberta Sudbrack, carioca de coração que com leveza e paixão, mistura gastronomia com arte e impressiona pela sua versatilidade. Confira a entrevista!
Roberta Sudbrack é uma das grandes estrelas de nossa gastronomia. A moça autodidata, que começou a vida vendendo cachorros-quentes da avó, ainda bem jovem tornou-se a primeira mulher a chefiar a cozinha do Palácio da Alvorada, em Brasília. Em 2005, a gaúcha escolheu se mudar para o Rio. E, no restaurante que levava seu nome, lançou pioneiros menus degustação, que eram alterados de acordo com os ingredientes mais frescos disponíveis e inspirados em tendências mundiais de outras áreas.
O sucesso estrondoso trouxe honrarias! Recebeu uma estrela Michelin, integrou a lista dos 50 Melhores Restaurantes da América Latina e conquistou o título de melhor chef mulher da América Latina pela lista The World’s 50 Best, da revista Restaurant, entre muitíssimas outras condecorações. Ao longo da estrada, Roberta pontuou a carreira com propostas bem diferentes umas das outras, investindo também em atuações populares, como seu cachorro-quente autoral, o SudDog, servido em food-trucks.
Quando em 2017 decidiu fechar seu prestigiado restaurante, foi uma surpresa. Mas no ano seguinte, Roberta Sudbrack ressurgiu nas asas do Sud, o Passáro Verde, no Jardim Botânico, com preços mais acessíveis do que os que a levaram à glória, mas mantendo o que diz ser a sua chama criativa:
“O amor, a paixão, o desafio. Sem esses três sentimentos eu não me mexo, não funciono. Acho que fiz tanta coisa na minha vida justamente por isso, porque nunca abri mão desses sentimentos. E pretendo continuar a me movimentar exatamente assim, porque só dessa maneira faz sentido pra mim”.
Você esteve recentemente na Turquia, no Parabere Forum, e diz ter trazido na bagagem um dos momentos mais incríveis de sua vida profissional. Por que essa sensação?
Porque eu acho que a gente deve tentar sempre estar numa frequente reinvenção. Buscar novos desafios, novas fronteiras, novos olhares. A viagem à Turquia me trouxe esse sentimento, de renascimento, descoberta e novos aprendizados, como se estivesse olhando o mundo com os olhos de uma criança. E isso é fundamental para o cozinheiro.
Você é uma “frasista” sensível, seus textos flertam com a poesia. Li em seu Instagram uma dessas frases, defendendo que precisamos “voltar a conversar com as batatas”. Que diálogo é esse?
Pois é, essa foi uma frase que eu disse na minha apresentação no Parabere Forum, em Istambul, e que teve uma repercussão incrível e eu acho que, sobretudo agora, nesse momento que estamos vivendo, consigo entender o porquê. O que eu quis dizer foi justamente isso: ‘Chega! Vamos parar! Já deu! Tudo foi demais, tudo está em excesso. Vamos voltar a conversar com as batatas!’ Eu falava de algo muito pessoal que aconteceu comigo e que me fez rever toda a minha vida. Mas diante de tudo que estamos passando, acho que fez um sentido imenso esta analogia.
Por falar em linguagem poética, o nome de seu restaurante, Sud, o Pássaro Verde, caberia em um verso ou como título de um conto. Por que essa escolha e de que forma esse nome se traduz na cozinha?
A escolha e a tradução são as mesmas: liberdade. Um sentimento que se fez necessário na minha vida, num certo momento me senti muito sufocada, sem ar, perdi aquele jeito de olhar o mundo com os olhos de uma criança. O Sud, o Pássaro Verde me devolveu isso e de forma muito poética, algo como um conto que escrevo diariamente mesmo…
Forno de barro em destaque no salão, cozinha completamente à vista, muitos ingredientes de um Brasil corriqueiro no cardápio. Qual foi sua inspiração ao criar o restaurante?
Justamente o Brasil! A casa, a cozinha, a chaleira fervendo a água para passar o cafezinho o dia inteiro. A simplicidade que está impressa nessa brasilidade, nesses costumes, nesse jeito de ser e de comer que é tão nosso e nos aconchega tanto. O Sud é uma casa, não um restaurante. É um lugar para se encontrar, para perder a noção do tempo, como a gente se sente quando está na casa da vó da gente. E, acima de tudo, foi uma grande homenagem à essa figura que tanto me inspirou na vida, a minha Vó Iracema.
O Sud vai completar dois anos. Com ele, você fez uma ruptura com a cozinha rotulada de “alta gastronomia”. Quais as conquistas que a mudança trouxe?
A maior delas foi a liberdade, a leveza, a alegria que eu reencontrei. Cozinhar voltou a ser uma alegria, uma descoberta diária, uma grande aventura. Voltei a me divertir, a me sentir meio criança no meio das panelas!
Você também assina o cardápio do Arp. E mantém outras frentes de trabalho. Quais são e por que a diversificação?
O Arp é um amor antigo. Nunca aceitei assinar cardápios e não é exatamente isso que faço no Arp. Eu gosto mais de chamar de curadoria, porque existe um envolvimento muito maior, um cuidar muito mais implícito. Na verdade, eu tenho uma participação muito presente no Arp, dirijo toda a gastronomia do hotel e me envolvo profundamente em cada detalhe.Sobre as frentes de trabalho, como sempre, me movo pela paixão, preciso ter esse sentimento dentro de mim para aceitar qualquer desafio.
Eu via o Hotel Arpoador e sempre pensava que aquele lugar merecia ser devolvido para a cidade de uma maneira gostosa, descontraída, carioca!
Por sempre ter apostado em produtos regionais e por um episódio que ficou famoso de “embate” com a fiscalização no Rock in Rio, em 2017, você amplificou a discussão sobre dificuldades dos produtores artesanais. Há quem avalie que o fato acelerou a lei que, desde o ano passado, facilita a comercialização desses produtos. O que ainda falta?
Como você imagina que a produção regional e artesanal pode ser cada vez mais potente? Essa foi, sem dúvida, a causa da minha vida. Foi algo que mexeu com todos os meus valores, todas as minhas crenças. Participei pessoalmente da mudança da lei, e empenhei todas as minhas forças e energias nisso, porque se tornou uma
necessidade para a minha vida depois de tudo que vivi. Acho que demos passos muito grandes e isso foi e será fundamental para o crescimento dessa produção. Mas ainda há um caminho longo pela frente e o tema não pode ser esquecido e nem abandonado por nenhum de nós, pois são esses artesãos que, de certa forma, desenham a nossa história.
“O amor, a paixão, o desafio. Nunca abri mão desses sentimentos, porque só dessa maneira faz sentido pra mim.”
Vivemos em um tempo de mudanças aceleradas. O mundo está sendo repensado. Qual é o papel da gastronomia neste cenário?
Fundamental, justamente porque a gente é responsável pelo essencial: alimentar. Acho que tudo isso que estamos passando, todas essas mudanças, toda a necessidade de readequação, fazem parte do nosso processo de evolução. Eu costumo dizer que, muitas vezes, dar alguns passos para trás não é uma involução, mas justamente a evolução!
Gostaria de acrescentar algum comentário?
Que a gente tenha força, inteligência e humildade para entender tudo que está acontecendo e que possamos tirar o melhor de tudo que nos acontecer, ainda que não seja exatamente o que esperávamos. Eu sempre lido com muito cuidado com os erros na minha cozinha, ainda que eu não goste, nunca os descarto. Porque, muitas vezes, nos erros encontramos as grandes oportunidades!