Por Maria Helena Esteban @mariahelenaesteban. Copyright Fato Editorial

A pedagoga Fabiana Figueiredo decidiu transformar a cozinha em lugar de aprendizados para a vida. Há 13 anos foi pioneira e abriu o Ateliê das Ideias (@ateliedasideias), um espaço dedicado às crianças, onde panelas e fogões substituem o quadro negro.

Ela tem se dedicado a ampliar o conhecimento em relação à alimentação e hoje atua em eventos e em formatos especiais para pequenos grupos, inclusive em festas.

Nesta entrevista, Fabiana divide sua experiência, ajudando a dar um tempero especial à tarefa de alimentar os pequenos.

fabiana figueiredo, ateliê das ideias
Ateliê das Ideias. Crédito: Constanca Sabenza / Cora food agency

Como atividades lúdicas podem ajudar na construção de bons hábitos alimentares?

Elas podem ajudar a despertar uma curiosidade do que são aquelas coisas (no caso, a comida). Quando a criança brinca, ela usa todos os sentidos para aprender o mundo: o tato, o olfato, o paladar, a visão… Ela coloca naquele objeto, seja ele um brinquedo, seja ele uma comida, todas as suas possibilidades de aprendizado.

Quando o adulto permite que isso aconteça sem limitação de que a criança irá se sujar ou vai acabar jogando comida fora, a criança tem a possibilidade de conhecer o mundo.

Quando a criança brinca, ela usa todos os sentidos para aprender o mundo: o tato, o olfato, o paladar e a visão.

Pedagoga Fabiana Figueiredo. Crédito: Constança Sabença / Cora Food Agency.

Existem boas formas para se apresentar novos alimentos?

Quando você chega com um brinquedo ou um jogo novo para a criança, você explica como brinca, faz uma introdução, fala sobre as regras… A gente também deveria apresentar os alimentos. “Oi, essa é cenoura, ela é assim: comprida, laranja, nasce embaixo da terra e pode ser comida de várias formas diferentes”. 

Penso que essa é a grande oportunidade que damos às crianças quando fazemos atividades lúdicas com a comida. Mais do que ficar preso ao valor nutricional dos alimentos, você chama atenção para como aquele alimento é legal: que ele tem uma forma legal, uma cor legal, se tem sementes ou não tem sementes. São explorações que irão despertar nelas um desejo de conhecer.

Quando você chega com um brinquedo novo para a criança, você explica como brinca. A gente também deveria apresentar os alimentos.

Qual é a importância do envolvimento dos familiares no momento das descobertas?

Não existe uma criança com bons hábitos alimentares que viva numa família que não tenha bons hábitos alimentares. O bom hábito alimentar é uma questão coletiva, não é só uma questão individual. É muito provável que, uma criança que viva numa família que não come legumes e verduras, que tem uma alimentação muito baseada em cereais, carboidratos e carne, cresça e se alimente de cereais, carboidratos e carne. Porque as crianças aprendem em primeiro lugar por imitação. É muito importante a gente pensar nos exemplos.

O bom hábito alimentar é uma questão coletiva, não é só uma questão individual.

Crédito: Constança Sabença / Cora Food Agency).

O aprendizado da criança pode ser uma oportunidade para toda a família?

É muito comum a gente ver famílias que reestruturam a sua organização alimentar quando uma criança está para chegar, quando a mãe está grávida, quando a criança nasce ou quando está chegando perto da hora da introdução alimentar. Aí, nesse momento, você vê uma família começando a se preocupar com os hábitos alimentares.

Em 13 anos de Atêlie das Ideias, qual sua percepção a respeito da relação das crianças com os alimentos saudáveis?

Minha percepção em relação às crianças e os alimentos saudáveis e não-saudáveis fala um pouco sobre como a gente entende os alimentos saudáveis. Porque a gente também tem uma coisa de rotular os alimentos. 

A princípio, isso pode não ser muito bom. Por exemplo, uma batata-frita pode ser um alimento considerado não-saudável. Mas uma batata de boa qualidade, de boa procedência, frita em casa e que seja uma exceção na alimentação da criança, não necessariamente é não-saudável.

Bata frita rústica com salada. Imagem ilustrativa.

Acho que o saudável não é o alimento, mas sim o contexto da alimentação. E acho que crianças que nascem em famílias que têm um contexto de alimentação mais saudável, ou seja, famílias que comem de tudo, que têm uma percepção mais leve e tranquila em relação à alimentação (do tipo posso comer de tudo numa boa, não preciso ter alimentos permitidos e proibidos), tendem a ter a alimentação saudável, é uma questão de equilíbrio.

Quando os adultos conseguem fazer isso com eles, de uma forma geral, eles também conseguem fazer isso com as crianças.

Acho que o saudável não é o alimento, mas sim o contexto da alimentação.

Pedagoga Fabiana Figueiredo, Ateliê das Ideias

Como proporcionar que a criança faça suas próprias escolhas?

Eu penso que a relação das crianças com os alimentos saudáveis está relacionada a duas coisas que vêm das famílias: a oferta e a escolha. E, por outro lado, você tem a criança que é uma pessoa, um ser humano que tem desejo, vontades e noção do seu próprio corpo. E isso é muito importante da gente perceber: que as crianças nascem com a capacidade de dizer o quanto de comida é suficiente para elas.

As crianças nascem com a capacidade de dizer o quanto de comida é suficiente para elas.

Com o tempo, a gente vai bagunçando um pouco isso, naquela coisa de “ah, acho que você comeu muito pouco, come mais um pouquinho”, aí a criança vai perdendo essa capacidade. Então quando a gente confia que o corpo da criança vai saber dizer para ela o quanto ela precisa comer, você abre o caminho para que a criança coma de forma mais saudável sem que os pais fiquem sobrecarregados com essa tarefa de alimentar os filhos.

Você está oferecendo os alimentos da melhor qualidade e o seu filho vai poder fazer as escolhas que ele quiser dentro desses alimentos. Se ele vai comer todos os legumes que têm na mesa ou se ele vai escolher só um legume, isso não tem problema porque é uma construção.

E é assim que a criança vai construindo: podendo optar, podendo escolher e podendo conhecer os alimentos.

Ateliê das Ideias. Crédito: Constança Sabença / Cora Food Agency.

É importante perceber as características de cada criança? Como orientar os pais?

Em geral, algumas pequenas intervenções ou algumas pequenas conversas com os pais são suficientes para que eles próprios tenham insights do que podem fazer diferente.

Então, por exemplo, tem uma situação clássica: existem pessoas que gostam de comida molhada e pessoas que gostam de comida seca. Tem quem seja da comida com muito molho, que vai sempre encher uma salada de azeite, que vai ter aquele prato sempre muito molhado. Tem pessoas que gostam de comida mais seca, que amam farofa, que comem arroz com farofa ou salada de batata com farofa.

Uma mãe que observa o seu filho comer e só percebe que o seu filho está recusando o feijão, ou recusando o arroz, ou recusando a farofa, talvez ela ainda precise dessa pergunta: “Você já reparou se o seu filho gosta mais de comida molhada do que de comida seca?”. Em geral, essa pergunta é reveladora, porque quando fazemos essa pergunta para os pais no Ateliê, eles param para pensar e começam a perceber um padrão de aceitação.

“Você já reparou se o seu filho gosta mais de comida molhada do que de comida seca?”

Você tem boas dicas para os pais conseguirem fazer com que os filhos experimentem novos alimentos?

Minha maior dica é sair um pouco da zona de conforto. É dizer para os pais “ofereçam, ofereçam, ofereçam”! Não desistam de oferecer se a criança resolveu não comer, porque isso é muito comum. A gente vê aquela criança que fez introdução alimentar e que até dois anos come até pedra e que, de repente, entra numa fase de maior seletividade que é natural, que faz parte da infância, e aí a gente vai parando de oferecer e de dar oportunidade da criança revisitar aquele alimento.

Minha dica é jamais desistir de oferecer de diversas formas os alimentos, até você entender se de fato a criança não gosta. E muitas vezes pode ser um oferecimento disfarçado: você coloca o alimento na mesa, sem falar muito dele, sem insistir, e assim você dá a oportunidade da criança ter vontade de experimentar. Acho que isso tira muito a angústia dos pais.

Minha maior dica é sair um pouco da zona de conforto.

Pedagoga Fabiana Figueiredo, Ateliê das Ideias

Acho que é preciso oferecer uma alimentação saudável e variada, o mais perto possível da natureza: legumes, verduras, frutas, cereais, carnes… mas, a decisão de comer ou não é da criança. Aí os pais têm que facilitar que essa decisão seja positiva.

Aproveite para conhecer mais dicas para deixar o prato colorido e nutritivo.